Apêndice: O Fanatismo da “Carne Santa”

Por volta de 1900 se iniciou no estado de Indiana (EUA), um ensino fanático chamado por seus defensores de ”a doutrina da Carne Santa”. Houve o envolvimento de R. S. Donnell (presidente da associação de Indiana) e vários obreiros. Em destaque estava S. S. Davis como propagador deste ensinamento estranho. É sabido que Davis mantinha contato próximo com alguns evangélicos de linha ”pentecostal”, o que o influenciou muito. Certa vez, em uma conversa, ele declarou: “Irmão…, Eles têm o ”espírito”, e nós temos a verdade, e se tivéssemos o ”espírito” como eles têm, com a verdade nós poderíamos fazer muitas coisas”.

            Quanto à teoria da ”Carne Santa”, era ensinado que quando Cristo passou pela angústia do Getsêmani obteve carne santa como Adão possuía antes da queda. Alegavam, então, que aqueles que seguem o Salvador precisavam também adquirir o mesmo estado de inocência física como preparo essencial para trasladação.

            O pastor A. J. Breed, juntamente com o pastor Stephen Haskell e sua esposa Hetty, foram enviados à reunião campal realizada em Muncie, Indiana, de 13 a 23 de setembro de 1900, com o propósito de enfrentar esse fanatismo. Ficaram tremendamente escandalizados e assustados com a forma de adoração que haviam adotado. As testemunhas oculares relatam que, em seus cultos os fanáticos desenvolviam alto grau de exaltação mediante o uso de diversos instrumentos de música. Buscavam demonstração física, exclamavam e oravam e cantavam até que alguém na congregação caísse do assento, prostrado e inconsciente. Um ou dois homens andando acima e abaixo da ala para esse fim, arrastava a pessoa caída para cima do púlpito. Então, uma dúzia de indivíduos se reunia ao redor do corpo prostrado, alguns cantando, outros clamando, e alguns orando, todos ao mesmo tempo. Quando a pessoa tornava a si, era contado entre os que haviam passado pela experiência do Getsêmani e haviam obtido carne santa, tendo assim a fé para trasladação. Era afirmado, então, que a pessoa nunca mais pecaria e nunca haveria de morrer.

            As conseqüências destes ensinamentos eram das mais perniciosas, levando até mesmo aos pecados de fornicação e adultério. Visto que era dito ser impossível pecar estando na ”experiência do jardim”, na prática a pessoa estava em total liberdade de fazer o que fosse e aquilo não ser considerado pecado. Interessante observar que John Wesley, no século 18, teve que se opor a ensinamentos parecidos provindos de um calvinismo degenerado. (Ver comentários de Ellen G. White em GC 260-262). Se formos retroceder mais no tempo, encontramos o próprio discípulo do amor combatendo semelhantes distorções do evangelho. (Ver em especial: I João 1:6-10; 2:1-6).

            Os acontecimentos fanáticos que ocorriam em Indiana foram revelados à Ellen G. White enquanto ela se encontrava na Austrália em janeiro de 1900. Ela deu diversos testemunhos de advertência e reprovação, inclusive na Assembléia da Associação Geral em 1901. Naquela ocasião, Donnell e Davis e muitos outros, aceitaram a reprovação. Por sugestão dos dirigentes da igreja, devido a terem revelado grande falta de discernimento, renunciaram aos seus cargos e foram substituídos por outros que não haviam se envolvido no fanatismo.

            A seguir, os relatórios de duas testemunhas oculares que analisaram, principalmente, a forma de adoração que foi adotada pelos adeptos da ”carne santa”:

            “Há um grande poder no movimento [da Carne Santa] que está sendo promovido ali. Quase todos são por ele influenciados, se não usam de cautela e se sentam e ouvem com toda a atenção, por causa da música que é executada na cerimônia. Eles possuem um órgão, um contrabaixo, três violinos, duas flautas, três tamborins, três trompas e um grande tambor, e talvez, outros instrumentos que eu não tenha mencionado. São tão treinados em sua linha musical como qualquer coro do Exército de Salvação. De fato, seu esforço de reavivamento é simplesmente uma cópia fiel do método utilizado pelo Exército de Salvação, e quando chegam a uma nota alta, fica impossível ouvir qualquer palavra da congregação em seu canto, nem ouvir outra coisa, a não ser grunhidos parecidos com os que são emitidos por deficientes mentais”.

            “Após um apelo convidando a ir à frente para orações, alguns líderes sempre vão à dianteira para influenciar outros a irem; e então começam a tocar os instrumentos musicais até que não se consegue nem ouvir os próprios pensamentos, e sob o excitamento desses ruídos, eles levam grande parte da congregação para frente em todas as ocasiões”. Relatório de S. N. Haskell a Ellen G. White, 25 de Setembro de 1900.

            “Seu livro de músicas é “Garden of Spices” e tocam músicas dançantes com letra sagrada. Nunca usam nosso próprio hinário, exceto quando os irmãos Breed ou Haskell pregam, então eles iniciam e terminam com um hino do nosso hinário, mas todos os outros hinos são do outro livro. Eles gritam “Amém”, “Louvado seja o Senhor” e “Glória a Deus”, como acontece nos cultos do Exército de Salvação. Isso causa aflição. As doutrinas pregadas correspondem ao resto. O pobre rebanho está verdadeiramente confuso”. Relatório de S. N. Haskell a Sara McEnterfer, 12 de Setembro de 1900.            

“Eu assisti à reunião campal em Setembro de 1900, que se realizou em Muncie, onde presenciei em primeira mão o excitamento fanático e as atividades daquelas pessoas. Havia numerosos grupos de indivíduos, espalhados pelo acampamento, ocupados em discutir, e, então, quando os fanáticos conduziram as reuniões em um grande pavilhão, envolveram-se em um alto grau de excitamento pelo uso de instrumentos musicais, tais como: trompetes, flautas, instrumentos de corda, tamborins, um órgão e um grande tambor. Eles gritavam e cantavam suas canções até que se tornavam realmente histéricos. Muitas vezes, após essas reuniões matinais, ao se dirigirem para o refeitório, eu os via tremendo completamente como se estivessem com convulsões”. Relatório de Burton Wade a A. L. White, 12 de Janeiro de 1962. (Citações em Música – Sua Influência na Vida do Cristão, págs. 36-38).

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