Juiz implacável ou Pai misericordioso?

Quando lemos o Antigo e o Novo Testamento e comparamos seus ensinos, começam a surgir algumas aparentes discrepâncias. A fim de conciliar as recomendações, muitas teorias foram elaboradas ao decorrer da história cristã. Alguns chegaram a dizer que o Deus do Antigo Testamento não é o mesmo do Novo. Era dito que o AT apresenta Deus muitas vezes em ira e cólera, se assemelhando a um Juiz implacável. Já no NT, parece que é apresentado o amor e a misericórdia como características primordiais de Deus. Contudo, essa alegação de profundo contraste dos dois Testamentos acaba sendo fruto de um análise superficial do conteúdo bíblico, pois se analisarmos os juízos e condenações que há no NT, eles não diferem dos encontrados no AT. Na realidade, ocorrem inclusive muitas alusões proféticas convergentes. E não encontramos ira e juízo divino apenas no Apocalipse, mas, nas próprias palavras de Jesus, e mesmo em seus atos. (Mateus 8:11-12; 22:11-14; Lucas 19:41-48). Por outro lado, ainda que o AT use a palavra “fé” apenas uma vez (Habacuque 2:4), fala bastante da necessidade de confiarmos em Deus e dependermos inteiramente dEle. Verdadeiramente termos uma fé viva em Deus significa isso. A noção do amor prévio e incondicional de Deus por nós, já está presente. (Jeremias 31:3). Em relação a nós, também é ensinado o amor a Deus e aos nossos semelhantes. (Deuteronômio 6:5; Levíticos 19:18).

Muitas outras teorias surgiram com a pretensão de solucionar os dilemas. Algumas foram se tornando cada vez mais complicadas, e ainda que sejam bem intencionadas e contenham alguma verdade, soam como construções artificiais humanas em cima das Escrituras Sagradas. (Este é o caso do chamado “dispensacionalismo” que chega a listar oito dispensações, contendo, ao decorrer, orientações e preceitos de validade temporária). Outros preferem simplesmente ignorar o AT por supostamente ele ser contrário ao Evangelho apresentado no NT. Chegam à insensatez de renunciar ao padrão moral (Os Dez Mandamentos) dado pelo próprio Deus. A estes perguntamos: o que lhes resta? Sim, pois, enquanto que é verdade que sem a graça mediante a fé em Cristo não há salvação para os crentes, também é verdade que sem a lei condenando o pecado não há perdição para os incrédulos. (Romanos 4:15; 5:12-13).

Na lição Plano, Permissão e Restauração, se busca uma explicação que seja mais simples e natural, e que seja condizente com a totalidade da Bíblia. Trataremos em linhas gerais sobre essa proposta.

No plano original, quando Deus criou a Terra, toda a natureza estava de acordo com a Sua vontade. Com a entrada do pecado no mundo, através do homem, todo o resto foi afetado. O ser humano entregou seu coração ao inimigo, e se corrompeu profundamente. Apesar disso, a perfeita pureza que era exigida de Adão e Eva, ainda é exigida de nós. Sendo assim, a nossa condição seria de total desesperança se não houvesse um Substituto que nos livrasse da condenação que o pecado nos traz. O Matrimônio e o Sábado, instituições gêmeas surgidas no Éden, continuam em vigor nesse mundo de pecado. (Gênesis 2:2-3, 21-24; Êxodo 20:8-11, 14; Ezequiel 20:20; Mateus 19:4-6; Lucas 4:16; Efésios 5:28-31). A alimentação vegetariana que Deus designou ao homem no Éden, Ele ainda requer de todos. (Gênesis 1:29; Salmos 104:14; Isaías 66:3; Mateus 3:3-4). Entretanto, toda e qualquer obediência à vontade de Deus se dá apenas se formos capacitados pelo Espírito Santo que opera a transformação de nosso coração. (Isaías 8:16; Jeremias 31:33; II Coríntios 3:3-5).

A parte da “permissão” que o título da lição alude, faz referência à realidade histórica que a própria Bíblia nos conta. Encontramos homens santos do passado que não andaram à altura dos mandamentos divinos e que no entanto não caíram do favor de Deus. Isso parece incoerente com o padrão elevado de santidade que especialmente Jesus Cristo revelou que o cristão deveria ter. (Mateus 5). A inesperada resposta que encontramos é que Deus tolerou e até mesmo permitiu certas coisas que não eram do Seu agrado. Tal “condescendência” para com o ser humano parece não condizer com um Deus Todo-Poderoso, no entanto, nas páginas do relato inspirado essa grandíssima misericórdia pela humanidade é revelada.

Vamos considerar dois temas que revelam de forma patente essa realidade. O primeiro diz respeito à alimentação cárnea por parte de Seu povo, que ainda que tenha sido permitida no passado (Levíticos 11), nunca foi de Seu agrado. (Números 11:4-34; Salmos 78:20-39; 106:14-15; I Coríntios 10:5-6). O segundo tema é o do Matrimônio. Quanto Jesus foi questionado sobre se era lícito o divórcio, Ele respondeu: “Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. (Mateus 19:4-6). Os fariseus ainda insistiram: “Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?”. (Mateus 19:7). Ele respondeu: “Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim”. (Mateus 19:8). Jesus reconheceu que houve uma permissão para ocorrer divórcio e novo casamento na lei mosaica (Deuteronômio 24), mas, também esclareceu que essa nunca foi a vontade divina e que, agora, os fiéis a Deus buscariam a restauração desta instituição do casamento ao seu ideal original. (Marcos 10:2-12; I Coríntios 7:10-11, 39; Romanos 7:1-3).

Que já havia chegado o tempo de efetuar essa restauração dos princípios divinos fica implícito em Sua enfática declaração em favor da validade vitalícia do casamento: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. (Mateus 19:6). Também através da reação dos discípulos (Mateus 19:10) temos um forte indicativo de que eles entenderam bem o que Jesus tencionava com suas palavras. Mesmo que em outra passagem Cristo diga que ainda havia muito a lhes ensinar mas que eles não suportariam naquele momento (João 16:12), isso não refuta o que foi dito. Jesus se referia ao avanço na compreensão da Palavra de Deus. Contudo, naquilo que eles já haviam chegado (Filipenses 3:16), deveria haver uma plena restauração. Depois que Ele ascendesse ao Céu O Espírito Santo lhes guiaria no progresso do entendimento de toda a verdade bíblica. (João 16:13).

Ao decorrer dos séculos, Israel na maior parte do tempo falhava tremendamente em realizar o ideal divino para com eles, e Deus muitas vezes tolerava até certo ponto desvios de Seu plano. Com a igreja primitiva houve um expressivo retorno ao plano divino e se realizou uma obra ampla e poderosa. Infelizmente, a fidelidade dos apóstolos não persistiu na terceira geração de crentes, e a história da igreja revela que houve apostasia na maior parte do Cristianismo, e isso por um longo tempo. Em nossos dias, Deus quer um povo que se comprometa em concluir a obra de evangelho, dando um último convite divino para a humanidade. Porém, quando se trata deste ponto, o que muitos esquecem é que para que o verdadeiro evangelho seja proclamado, deve a igreja realizar completa restauração. A grandiosa quantidade de luz que incide sobre a igreja dos últimos dias nenhuma outra época teve. Portanto, pesada responsabilidade recai sobre nós que vivemos neste solene tempo. Assim, quando pastores e membros forem fiéis a cada princípio divino, havendo, assim, completa obediência aos mandamentos, Deus os usará como poderosos instrumentos na evangelização do mundo. (Apocalipse 14:1-12).

Finalizamos com as palavras pronunciadas por Pedro no dia do Pentecostes, quando O Espírito Santo usou os apóstolos em poderosa demonstração do que Deus pode fazer em favor de Seu povo se estiverem dispostos e preparados.

“Deus assim cumpriu o que já dantes pela boca de todos os seus profetas havia anunciado; que o Cristo havia de padecer. Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do SENHOR, e envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado. O qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio”. (Atos 3:18-21).

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